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sexta-feira, 2 de junho de 2017

Morte no hotel












Bom, vou-vos contar uma história. Se calhar é uma estória com e. Sim, uma estória verdadeira. Bom, não sei bem por onde começar. Acho que vou começar por me apresentar. O meu nome é Rogério Neves e tenho quarenta e dois anos. Sou detective de homicídios. Há coisa de um mês ganhei um sorteio e ganhei quase um milhão de euros. Foi o segundo prémio da lotaria. Resolvi comprar um carro novo e dar uma volta pelo país e conhecer o que não conhecia. Sim, nunca tinha saído da minha terra. Mas agora ia ser diferente tinha algo que nunca tivera, dinheiro. Comecei a passear pelo país e entusiasmei-me e quando dei por mim estava num sítio que não conhecia, mas felizmente para mim vi um letreiro, o letreiro dizia Life Hotel Resort And Spa. Era mesmo o que eu precisava, um sítio para descansar e depois relaxar com umas massagens. Cheguei ao hotel e o concierge, acho que é assim que se chama, não sei. Foi o homem que veio ter comigo para me dar as boas vindas. Também veio outro homem que era o que estacionava os carros.
“Deseja que lhe estacione o carro?”
É claro que disse logo que não. Já tinha visto em filmes tipos virem a dizer que queriam estacionar o carro e depois piravam-se com o carro. Estacionei eu o carro, claro. Depois fui até à recepção. Não estava ninguém. Toquei à campainha e veio um tipo com cabelos até ao meio das costas e com barba que parecia que já não era cortada há meses. Eu pensava que nos hotéis a aparência era importante, mas neste aparentemente não. Mas isso não importa. Pedi um quarto.
“Nome?”
“Rogério Neves.”
“Vai pagar em dinheiro ou cartão?”
“É só isto?”
“O quê?”
“O check-in.”
“Sim.”
“Então não tem de preencher o Cardex com os meus dados?”
“Cardex?”
“Sim.”
“E o que é isso?”
“Não sabe?”
“Não.”
“É uma ficha com todos os meus dados.”
“Não sabia.”
“Mas você trabalha aqui?”
“Sim, há bastante tempo.”
“Deve ser por isso.”
“Dever ser por isso o quê?”
“Que tem a barba de metro.”
“Não a posso fazer.”
“Não a pode desfazer?”
“Não.”
“E porque não?”
“Não é da sua conta.”
“Desculpe.”
“Mas quer um quarto ou não?”
“Não.”
“Se não quer um quarto então o que está aqui a fazer?”
“Eu quero uma suíte.”
“E depois?”
Eu estranhei esta pergunta. O funcionário não me parecia muito competente e parecia um índio, mas eu nunca tinha estado num hotel.
“Não tem suítes?”
“Temos uma com uma cama bué da grande.”
“Keensize ou Kingsize?”
“Não sei.”
“Não sabe?”
“Não, o que é isso?”
“Esqueça. Dê-me o da cama bué da grande.”
“Tudo bem meu.”
O recepcionista passou-me uma folha e o que disse a seguir foi ainda mais estranho.
“Assine aqui.”
Eu não sabia onde assinar e ia perguntar onde se assinava.
“Onde é que eu assino?”
“É na linha onde diz nome do hospede.”
“Já vi.”
“E veja se se despacha que eu quero ir fumar um cigarrinho.”
Eu estava a estranhar o comportamento do recepcionista, mas não ficou por aqui. Logo a seguir a pagar veio um senhor muito distinto e com aparência refinada. O homem tinha classe.
“Deseja jantar?”
“São três da manhã.”
“Já jantou?”
“Já.”
“Então vá dormir.”
“Como?”
“Boa noite.”
O homem parecia educado, mas era meio maluco. Fui para a suíte e adormeci. Acordei eram duas da tarde. Fui ao minibar, mas para minha estranheza o minibar estava vazio. Tentei ligar para o room service, mas o telefone não funcionava. Bateram à porta e fui ver quem era.
“Quem é?”
“É o homem da limpeza.”
Eu estranhei, mas não disse nada e abri a porta.
“Posso limpar o teu quarto meu?”
“Mas você não é o recepcionista?”
“Não me faça perguntas difíceis logo de manhã.”
“Mas são duas da tarde.”
“E depois? Ainda não bebi café.”
“Só perguntei por perguntar.”
“Desculpe, mas sabe que morreram os hospedes todos menos você e temos que os tirar discretamente do hotel.”
“O quê?”
“Não se preocupe.”
“Mas se os hóspedes estão todos mortos.”
“E depois?”
“Mas é normal?”
“Sim, todos os anos por esta altura eles morrem.”
“Já aconteceu antes?”
Foi nesse momento que apareceu o homem com classe.
“Vai querer jantar?”
“Mas são duas da tarde.”
“Você ao menos nunca está satisfeito.”
“Como?”
“Se é de madrugada e porque é de madrugada. Se é à tarde é porque é de tarde.”
“Mas o jantar é à noite.”
O homem virou-me as costas e saiu com o empregado de limpeza. Eu estava a estranhar. Sai ao corredor para ir para o spa. Estava a precisar de uma massagem relaxante. Cheguei ao elevador e ouvi uma conversa estranha.
“Homem que é homem bate na mulher e diz que é suor.”
“Acho que não é isso.”
“Então?”
“Quem urina na cama é que diz que é suor.”
“E quem bate nas mulheres?”
“É uma grande besta.”
“Sabes da nova?”
“O quê?”
“Os hóspedes morreram todos.”
“Eia. Isso é que vai ser um festival de quartos bloqueados.”
“Sim, eles estão todos mortos.”
“É mesmo a sério?”
“Sim.”
A outra empregada começa a correr e a gritar que os hóspedes morreram. Eu fui falar com a outra empregada.
“Isto não é normal.”
“O quê?”
“Os hóspedes não deviam ser retirados discretamente com o mínimo de alarido possível?”
“Sim.”
“Mas a sua colega saiu daqui a gritar.”
“E quem é que a vai ouvir?”
“Quem?”
“Sim, estão todos mortos.”
“Sim, os hóspedes estão mortos.”
“O quê? Os hóspedes estão mortos?”
A empregada faz como a outra e saí a gritar ao morto. Resolvi ir aos quartos e de facto estavam todos mortos. Decidi falar com o director. As pessoas tinham sido assassinadas e era preciso reportar. Eu já não estava a perceber nada. Os funcionários do hotel não diziam coisa com coisa e as pessoas caiam mortas como moscas depois de respirarem o spray mortal do mata-moscas. Tinha de reportar, mas o director do hotel veio falar comigo e a conversa também não foi muito normal.
“Não pode reportar.”
“E porque não?”
“A reputação.”
“Do hotel?”
“Sim.”
“E isso importa?”
“Claro.”
“Não, neste caso não importa.”
“Desculpe, mas importa.”
“E porque diz isso?”
“Porque se se sabe que todos os hóspedes morreram será o fim do hotel.”
“Não me interessa.”
“Por favor não destrua o meu negócio.”
“Mas as pessoas morreram assassinadas.”
“Sim, mas isso foi há mais de cem anos.”
“Como?”
“Sim, morreram todas faz hoje cem anos.”
“Não goze.”
“Sim, fui eu que tive uma alucinação com um gás e os matei a todos.”
“Então foi você?”
“Sim, fui eu que os matei a todos há cem anos.”
“Mas você tem para aí uns sessenta anos.”
“Na verdade tenho setenta.”
“Então…”
“Sim?”
“Há cem anos atrás tinha quantos?”
“Setenta.”
“Você tem a mesma idade há cem anos?”
“Sim.”
Para mim era claro o que se passou. O director matou todos os hóspedes e enlouqueceu completamente com os remorsos. Tentei agarrar-lhe no braço, mas os outros funcionários cercaram-no. Fizeram um círculo à volta dele.
“Ele tem que ir preso.”
“Mas isso não pode ser.”
“E porque não?”
“Porque ele está morto.”
“A sério?”
“Sim, tal como nós.”
O que se passou a seguir foi indescritível as pessoas, os funcionários do hotel começam a tremer e a cintilar e tomam a forma de uma espécie de nuvem colorida e começam a sobrevoar-me e depois têm um relampejo de intensidade e desaparecem. Eu comecei a sentir tonturas e a sentir-me muito mal disposto e por isso sai para apanhar ar. Saí ao jardim e comecei a sentir-me logo melhor. Apoiei-me numa árvore. Um homem que ia a passar falou para mim.
“Você sente-se bem?”
“Estou um pouco maldisposto.”
“Viu-os?”
“A quem?”
“Aos mortos.”
“Quais mortos?”
“Os do hotel.”
“Eles não estão mortos.”
“Agora já não.”
“Como?”
“Sim, você libertou-os da maldição.”
“A sério?”
“Sim, eles eram muito gananciosos e por isso queriam todo o dinheiro do mundo e foram castigados.”
“A sério?”
“Sim, e enquanto não houvesse alguém que não estivesse amaldiçoado a passar uma noite no hotel eles não eram libertados.”
“Mas isso não é possível.”
“Viu o director?”
“Sim.”
“Ele matou toda a gente há cem anos.”
“Mas não tinham sido amaldiçoados?”
“Sim, e como parte da maldição todos os hóspedes morreram.”
“Há cem anos?”

Nesse momento o homem ri-se e transforma-se num vulto numa sombra e eleva-se nos ares e desaparece. Olho para trás. Já me sinto melhor. Mas não sei explicar o que se passou. Quando olhei o hotel não estava lá. Lá estava um prado verdejante e não havia edifícios, mas como? Ainda há poucas horas tinha dormido na suíte com cama Keensize. Fui até à aldeia mais próxima do hotel e nunca ninguém tinha ouvido falar de um hotel ali. Só uma senhora sabia, mas o que ela me disse é que a maldição foi levantada e depois começou com convulsões e morreu. Voltei ao espaço onde estava o hotel e vi lá, bem no meio do sítio onde estava o hotel e lá estava um cemitério. Li todas as lápides e elas tinham o nome dos funcionários do hotel. De todos. E a data de morte era de há cem anos atrás.

(Eduardo de São José Simões)


https://arr3pios.blogspot.com

Publicado por: Eduardo de São José Simões
(Formando da Formação Contínua de Empregado/a de Andares)

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